Martin Auer
A Estranha Guerra
Histórias para uma Cultura de Paz

O Sonhador

Traduzido por João Pereira e Daniela Suchanek

Era uma vez um homem que era um sonhador. Ele acreditava, por exemplo, que deveria existir uma maneira de ver as coisas a uma distância de dez mil quilómetros. Ele imaginava que deveria existir uma maneira de comer a sopa com um garfo. Ele pensava que deveria haver uma maneira de as pessoas se aguentarem com a cabeça no chão, e ele estava convencido que deveria de haver uma maneira de viver sem medo.

As pessoas disseram-lhe: "Nenhuma dessas coisas pode ser feita; és um sonhador!", "Tens de abrir os olhos e aceitar a realidade!" e elas disseram: "Há leis da natureza que tu não podes mudar!"

Mas o homem disse: "Eu não sei... deve de existir uma maneira de respirar debaixo de água. E deve de haver uma maneira de dar algo que comer a toda a gente. Deve haver uma maneira para todos aprenderem o que querem. Tem de existir uma maneira de olhar para dentro da tua barriga."

E as pessoas responderam: "Controla-te, essas coisas nunca vão acontecer. Tu não podes simplesmente dizer que queres algo e esperar que isso aconteça. O mundo é como é e pronto!"

Quando a televisão e as máquinas de raio-x foram inventadas, o homem podia ver a uma distância de dez mil quilómetros e podia ver o interior da sua própria barriga. Mas ninguém lhe disse: "Está bem, afinal não estavas tão errado." E também ninguém disse nada depois de alguém ter inventado fatos de mergulho que permitiram as pessoas respirar facilmente debaixo de água. Mas o homem disse para ele mesmo: era o que eu pensava. Talvez um dia ainda seja possível viver sem guerras.

Medo

Traduzido por João Pereira e Daniela Suchanek

Porque é que aquele gajo
está a olhar para mim
com ar de desconfiado?

Será que está com medo de mim?

Porque é que ele está com medo?

Será que pensa que lhe
quero mal?

Porque é que ele pensa que lhe
quero mal?
Eu não faço mal a ninguém!

Eu não faço mal a ninguém, desde que
ninguém me faça mal a mim!

Quando ele pensa que eu lhe quero fazer mal, é
apenas porque ele sabe:
Eu faço mal a toda a gente que
 me faz mal a mim.

Então:
Ele quer fazer-me mal!

Então é melhor se eu me for a ele
e lhe partir a boca antes de
ele me poder fazer mal a mim.

Au!
O punho dele foi mais rápido que o meu.
Agora estou deitado no chão.

Eu já sabia, ele queria fazer-me mal!

Outra Vez Medo

Traduzido por João Pereira e Daniela Suchanek

Somos um país pacífico
e não atacamos ninguém. 
Só se, 
formos atacados por alguém.

Quem não tiver a intenção, 
de nos atacar, 
não necessita ter medo de nós.

Os que se tentam
proteger de nós,
mostram que
têm medo de nós 
 

Quem tem medo, 
comprova a intenção
de nos atacar.

Então é lógico que, 
temos de atacar aqueles que 
se preparam para defender.

Os Dois Lutadores

Traduzido por João Pereira e Daniela Suchanek

Dois homens estavam enrolados numa grande luta. Um era grande, o outro era gordo, um era pesado, o outro era rijo, um era forte, o outro era selvagem.

O que era forte partiu o nariz do selvagem. E sentiu: ele tem um nariz como o meu.

O selvagem partiu as costelas ao que era forte. E sentiu: estas costelas partem-se tal como as minhas.

O que era forte tirou um olho ao selvagem. E sentiu: aquele olho é macio e delicado como o meu.

O selvagem deu um pontapé no estômago do que era forte. E sentiu: este estômago deforma-se tal como o meu.

O que era forte agarrou a garganta do selvagem e sufocou-o. E sentiu: ele precisa de ar para respirar tal como eu.

O selvagem esmurrou o coração do forte. E sentiu: o seu coração bate tal como o meu.

Quando os dois caíram e não se conseguiram levantar, pensaram: "Ele é exactamente igual a mim."

Mas isso não lhes serviu de muito.

Homem contra Homem

Traduzido por João Pereira e Daniela Suchanek

Quando o Senhor Balaban estava a ser recrutado, o sargento explicava: "Bem, hoje vamos praticar o combate homem a homem. Isto vai ser importante para vocês numa situação extrema."

 "Ah!", respondia  o Senhor Balaban, "Se realmente chegar a haver uma situação extrema, pode indicar-me o meu inimigo? Talvez assim possamos chegar a acordo em paz."

O Escravo

Traduzido por João Pereira e Daniela Suchanek

Um homem tinha um escravo. E o escravo tinha de fazer todo o trabalho para ele. Ele lavava-o, penteava-o, cortava-lhe a comida e levava-lhe a comida à boca. O escravo escrevia-lhe as suas cartas, limpava-lhe os sapatos, cosia-lhe as meias, cortava a madeira e aquecia-lhe a salamandra. Quando o homem via framboesas enquanto passeavam, o escravo tinha de as apanhar e de as pôr na sua boca. Para impedir que o escravo fugisse, ele mantinha-o sempre preso a uma corrente. Dia e noite ele tinha de o agarrar e de o arrastar com ele, ou o escravo fugiria. Na outra mão o homem tinha sempre um chicote, porque quando o escravo puxava e sacudia a corrente, ele tinha de lhe mandar chicotadas. Quando os braços do homem já estavam doridos de bater no escravo e este estava exausto, ele amaldiçoava o escravo e as correntes e tudo.

Ás vezes ele sonhava secretamente com os tempos em que ele ainda era novo e ainda não tinha um escravo. Nesses dias ele ainda podia andar livremente pela floresta e apanhar as framboesas sem estar sempre a puxar a corrente. Agora ele nem podia ir à casa de banho sozinho. Primeiro porque o escravo fugiria, e depois quem é que lhe ia limpar o rabo?  Ele mesmo não tinha nenhuma mão livre para fazer isso.

Uma vez, quando ele estava a amaldiçoar outra vez, alguém lhe disse: "Bem, se é tão terrível, porque não deixas o teu escravo ser livre?"

"Sim...", disse o homem, "...para ele me poder matar!" Mas secretamente o homem sonha com a liberdade.

E o escravo? Também sonha com a liberdade? Não, ele já desistiu de sonhar com a liberdade há muito tempo. Ele apenas sonha com ele mesmo a ser o patrão, a ter o homem na corrente, a bater-lhe com o chicote e a faze-lo limpar-lhe o rabo. É com isto que ele sonha!

A Guerra Estranha

Traduzido por Sara Bernal-Rutter



Em um planeta estrangeiro, num tempo distante, existiam dois países chamados Aqui e Ali. Também tinham outros países, como a Porta ao Lado e Distante, porem esta estória é sobre Aqui e Ali.
Um dia, o Todo Poderoso De Aqui fez um discurso aos seus cidadãos. Ele disse que a nação Aqui estava sofrendo pressão da nação Ali e que os Aquilienses não poderiam simplesmente sentar na ociosidade  assistindo a nação Ali ultrapassando as fronteiras para empurrar e confinar a nação Aqui.
" Eles estão situados tão perto de nós que não temos mais espaço para respirar", esbravejou ele.
Nós estamos tão apertados que mal podemos nos mover. Eles não estão preparados para mover nem um centímetro para nos dar algum espaço a mais que possa nos garantir um pouco mais de liberdade de movimento. Se eles não quiserem fazer ao menos esse pequeno gesto por nós, então, teremos que forçá-los a isso.
Nós não queremos guerra. Se dependesse de nós, a paz seria eterna. Mas  temo  que isso não nos cabe. Se eles não estão preparados para mover um pouco com o seu país, então eles irão nos forcar a entrar em guerra.  Nós, no entanto, não  iremos permitir que eles nos pressionem para a guerra. Nós não!
Não iremos permitir que eles nos forcem a sacrificar nossos filhos sem sentido, que nossas mulheres fiquem viúvas  e que  nossas crianças fiquem órfãs! É por isso que precisamos quebrar o poder de Ali antes que eles nos forcem a começar a guerra. E é por isso, estimados cidadãos, em ordem para que possamos nos defender, no sentido de proteger a paz e salvar nossas crianças, Eu declaro formalmente a guerra  com a nação Ali.
Os confusos Aquilienses primeiro olharam uns aos outros, depois olharam ao Todo Poderoso e em seguida, olharam para as tropas especiais da policia que ostentavam capacetes e lasers exterminadores. Eles estavam posicionados em torno da praça da cidade e aplaudiam entusiasticamente, entoando: "Vida longa ao Todo Poderoso! Acabem com os De Ali"!
E a guerra começou.
Naquele mesmo dia, o exército dos De Aqui cruzou a fronteira. Foi uma visão poderosa.
Os veículos blindados pareciam dragões de ferro gigantes. Eles esmagavam tudo que aparecia no caminho. Eles poderiam disparar granadas de seus acanhoes e destrocar tudo, também  poderiam arrojar gases  venenosos para aniquilar a todos. Cada um  deixou atrás de si 100 metros de zona morta.
Em sua frente deslumbrava uma bonita floresta verde e atrás deles, nada  permanecia.
Por onde os aviões voavam o céu ficava escuro e as pessoas que estavam  embaixo caiam com seus rostos, o barulho enchia a todos de terror  e onde as sombras caiam, também caiam as bombas.
Entre os aviões gigantes no céu e os veículos blindados na terra, enxames de helicópteros zumbiam  como pequenos e perversos mosquitos. Os soldados, no entanto pareciam robôs de aço de guerra com  seus trajes blindados, o que os faziam invulneráveis às balas, gás, venenos e bactérias.
Em suas mãos eles carregavam pesadas armas de combates individuais que poderiam espalhar cargas mortais ou raios lasers que derretiam tudo em seus caminhos.
E foi assim que o imparável exército  De Aqui avançava, com a intenção de esmagar impiedosamente o inimigo. Estranhamente, porém, eles não encontraram inimigos.
No primeiro dia o exército avançou dez quilômetros dentro do território inimigo, no segundo dia, vinte. No terceiro dia eles cruzaram o grande rio. Em todos os lugares eles encontraram vilas abandonadas, campos a serem colhidos, fábricas desertas e lojas vazias. "Eles estão escondidos e quando nós os ultrapassarmos, eles nos atacarão por trás"! Gritou o Todo Poderoso. "Vasculhem todos os palheiros e todos os montes de estrume  "!
Os soldados revistaram as pilhas de estrume, mas a única coisa que encontraram nesse processo foram pilhas de papeis de identificação: carteiras de motorista, certidões de nascimentos, passaportes, retratos, registros escolares, recibos de pagamentos de licença para cães e tevê a cabo e centenas de outros documentos. As fotografias  tinham sido arrancadas dos documentos que exigiam fotos de identificação. Ninguém foi capaz de explicar o que isso significava.
Um grande problema encontrado foi relacionado aos sinais de direções nas estradas. Alguns foram puxados para cima, outros virados para a direção errada  e outros foram repintados. Alguns, no entanto, estavam corretos porem  as tropas não poderiam confiar se estavam ou não erradas. Os soldados continuavam se perdendo, companhias inteiras  foram incapazes de encontrar  seus caminhos, divisões se perderam e muitos praguejaram contra um general desertor.
Motoqueiros foram enviados em todas as direções para que procurassem pelos seus soldados. O Todo Poderoso precisou convocar topógrafos e professores de geografia para que o país conquistado pudesse ser corretamente mapeado.
No quarto dia da campanha os soldados De Aqui pegaram o seu primeiro prisioneiro. Ele não era um soldado e sim um civil que havia sido encontrado num bosque carregando um cesto de cogumelos sobre os ombros. O Todo Poderoso ordenou que o homem fosse levado  pessoalmente até ele para um interrogatório. O prisioneiro disse que o seu nome era John Smith e que a sua profissão era a de colhedor de cogumelos. Ele disse que havia perdido a sua identidade e não sabia onde estava o exército De Ali.
Nos próximos dias, o exército De Aqui prendeu vários milhares de civis. Todos eles foram chamados de John ou Jane Smith e nenhum deles tinha quaisquer documentos de identidade. O Todo Poderoso espumava de raiva.
Finalmente, o exército De Aqui ocupou a primeira grande cidade. Em todos os lugares poderia se ver soldados pintando os nomes das ruas nos muros. Eles tinham recebido do serviço secreto os mapas das cidades.
É claro que,  em decorrência da pressa ocorreram muitos erros e algumas ruas tiveram nomes diferentes colocados no lado direito da rua, outro  no  lado esquerdo,  outro no começo e mais um no final.
Companhias de soldados ficavam constantemente vagando sem rumo pela cidade, na  frente  deles, um sargento esbravejando com o mapa da cidade nas mãos. De um modo geral, nada funcionava na cidade. A companhia de energia não estava em operação e nem a companhia de gás ou telefone. Nada funcionava.
O Todo Poderoso imediatamente anunciou que fazer greve estava proibido e que todos precisavam ir para o trabalho sem atraso. E as pessoas foram para as fábricas e escritórios, mas ainda assim, nada funcionava. Quando os soldados foram aos locais de trabalho e perguntaram, “por que ninguém está trabalhando aqui"? As pessoas respondiam: "o engenheiro não está aqui" ou "o responsável  técnico não está aqui" ou, ainda "a Senhora Fulana, a diretora não está aqui".
Mas como a Senhora Fulana, a diretora poderia ser encontrada se toda mulher era chamada Jane Smith? O Todo Poderoso anunciou que iria mandar atirar em todo aquele que não usasse o seu nome verdadeiro. Então, os De Ali não mais se chamavam Smith e sim usaram os nomes antigos, mas o que de bom isso poderia trazer?
Quanto mais o exército avançava no país tudo ia ficando mais difícil. Em breve eles não seriam mais capazes de proporcionar quaisquer alimentos frescos para os soldados: teriam que trazer tudo De Aqui. A estrada de ferro não funcionava e os ferroviários ou estavam parados ou conduziam com negligencia as máquinas de lá pra cá. Os condutores não conseguiam decidir quem seria o encarregado de cada trem e naturalmente, todos os chefes que sabiam como as coisas funcionavam simplesmente desapareceram. Ninguém pode encontrá-los.
Ninguém fez nada que pudesse machucar os soldados. Sendo assim, logo, logo eles se tornaram descuidados, caminhando com os visores de seus capacetes blindados abertos e conversando com a população. E a população De Ali, que estava  escondendo todos os comestíveis para que o exército não confiscasse, começou a dividir  a pouca comida que tinham com os soldados ou, trocavam saladas frescas ou bolos caseiros por comida enlatada. Os soldados tinham bastante comida enlatada e já estavam doentes e cansados  disso.
Quando o Todo Poderoso descobriu sobre isso, ele se encheu de cólera, quase espumando pela boca, determinou então uma ordem proibindo os soldados de deixarem seus quarteis, exceto para fazer as patrulhas com as unidades. Os soldados não gostaram nem um pouco disso.
Finalmente o exército ocupou a capital De Ali. Ali porem, tudo parecia como em qualquer outro lugar do país. Não havia sinais nas ruas, nem números nas casas muito menos os nomes das famílias nas portas. Não haviam diretores, engenheiros, chefes técnicos, policiais ou oficiais públicos. As agencias governamentais estavam vazias e todos os arquivos tinham desaparecido. Ninguém sabia onde ficava a administração nacional.
O Todo Poderoso decidiu então que ele finalmente deveria ser cruel. Ele anunciou que todos os adultos estavam obrigados a  irem para as fábricas e escritórios. Aqueles que ficassem em casa seriam alvos de disparos.
Então, ele mesmo se dirigiu para a estação de energia e ordenou que todos os soldados e oficiais que estivessem em casa e que por ventura tivessem algo a ver com energia, para que também se dirigissem para lá. Os oficiais deram ordens, os soldados fizeram a supervisão e os trabalhadores eletricitários correram de lá pra cá e fizeram exatamente o que os oficiais lhes ordenaram. É claro que o resultado foi um terrível caos e não houve eletricidade.
Então, o Todo Poderoso convocou novamente  os oficiais e disse para os trabalhadores da estação de energia: "Se dentro de meia hora não tiver eletricidade vocês serão executados!"
Observou-se então, que meia hora depois já funcionava a eletricidade. O Todo Poderoso então disse, “Viram seus bundos. Eu apenas precisei pressionar vocês"!. O Todo Poderoso dirigiu-se então com os seus soldados ate os trabalhadores de gás e fez exatamente a mesma coisa.
No próximo dia, no entanto, já não havia mais eletricidade. O Todo Poderoso ficou furioso e quando ele e suas tropas especiais de execução marcharam até a estação de eletricidade com o objetivo de liquidar a todos, a estação estava vazia. Os trabalhadores se misturaram às demais pessoas que trabalhavam nas outras fábricas e escritórios.
O Todo Poderoso ordenou então que os soldados reunissem milhares de pessoas que estavam nas ruas e simplesmente disparassem nelas.
Porém, como o povo De Ali tinha sido sempre tão engenhoso e amável, sendo sempre amigável com os soldados, a moral dos soldados estava muito baixa e nenhum deles estava preparado para simplesmente reunir milhares de pessoas que nada haviam feito contra eles e matá-los.
O Todo Poderoso deu ordens então para que as tropas especiais fossem liquidadas. Os oficiais, no entanto, disseram  que os soldados já estavam infelizes e que poderia ocorrer um motim se milhares de pessoas fossem assassinadas.
E o Todo Poderoso recebeu milhares de cartas de pessoas que ocupavam cargos poderosos em seu país e que diziam: "Alteza Todo Poderoso! O Senhor já provou o seu dom como marechal de campo e demonstrou a sua genialidade militar e nós o congratulamos por suas inumeráveis e magníficas vitórias. Mas agora, nós pedimos que o senhor retorne e que deixe o louco povo De Ali com os seus próprios dispositivos. Eles estão nos custando muito. Se tivermos que colocar um soldado com uma submetralhadora atrás de cada trabalhador e ameaçar de atirar neles,  além de ter um engenheiro para dizer a eles o que fazer, então toda a conquista não terá valido a pena em nada. Por favor, retorne porque o nosso amado país já se deprivou muito e por tão longo tempo de sua brilhante  presença.
Então, o Todo Poderoso arrumou seu exército e ordenou que confiscassem todas as máquinas valiosas ou objetos caros que pudessem transportar e retornou para casa praguejando.
“ mas nos fizemos tudo por eles!” ele rosnou. “Aqueles covardes”. O que esses tolos irão fazer agora? Como eles irão saber quem é engenheiro, quem é médico, quem é o cabineiro? Sem certificados ou diplomas! Como eles irão determinar quem irá viver nas casas e quem  irá para os apartamentos, se eles não podem provar o que pertence a quem? Como eles irão gerenciar sem os direitos de propriedade, sem registros policiais, sem carteiras de motoristas, sem títulos ou uniformes? Que confusão eles vão ter! E tudo isso apenas porque eles não querem guerrear conosco, aqueles covardes".










Congestionamento

Traduzido por Sara Bernal Rutter

Sempre que muitas pessoas ficam juntas, coisas estao sempre acontecendo sem que ninguem possa prever ou planejar. Sim, mesmo coisas que ninguém queira que acontecam. Isso soa inacreditável?
Pense, por exemplo, nos congestionamentos nas nossas auto estradas.  Alguem gostaria que os congestionamentos acontecam? Alguem realmente gostaria de sentar numa quente e poeirenta auto estrada e suar? Nao, claro que nao. Todo mundo apenas deseja chegar a qualquer lugar o mais rápido possível. E é por isso exatamente o porque deles ficarem presos em congestionamentos - em efeito, rotineiramente, de novo e de novo.

Na sua própria porta

Traduzido por Sara Bernal-Rutter

Existia uma cidade que sofria  muito  com os  engarrafamentos. Por alguma razão não havia muitos semáforos e  uma  razão para os constantes congestionamentos  foi o  seguinte: Quando os motoristas dirigiam ate um cruzamento e viam que a coluna de carros que atravessava a interseccao dava uma parada, eles tentavam  pressionar o seu carro para que seguissem ate o cruzamento  , assim eles nao seriam  bloqueados pelo trafego que vinha  do lado, quando a coluna em frente comecasse a seguir . Desta forma, é claro que eles  bloqueavam  o tráfego que vinha da esquerda e da direita.
O que aconteceria depois é difícil explicar em palavras, uma animação de computador poderia esclarecer isso  em um minuto.
Vamos tentar de qualquer maneira: Todas as estradas de norte a sul foram  chamados de ruas  e todas as estradas que vão de leste a oeste foram chamados avenidas. Agora vamos dizer que a Sra. Kumar está dirigindo pela Rua 5 indo para o norte e se aproximando do cruzamento entre a Rua 5 e Avenida D. Ela vê que o tráfego atrás do cruzamento está indo mais devagar, mas ainda assim ela dirige  ate  a intersecção e tem que parar ali. Desta maneira, ela bloqueia o tráfego que vai de leste a oeste e leste a oeste na Avenida D. Então, acontece que a Sra. Miller, indo para o oeste na Avenida D dirige para o cruzamento com a Rua 4, bloqueando o tráfego lá, e a  Sra. Szymanski, indo para o leste na Avenida D dirige para o cruzamento com a Rua 6, bloqueando o tráfego lá. Em seguida, os cruzamentos da Rua 6 e C Avenida com a Rua 6 e Avenida  E serao bloqueado, bem como as Ruas 4 e  Avenida C com a Rua 4 e Avenida E e assim por diante ... E o congestionamento se espalha por toda a cidade.
"Esta é uma guerra nas nossas estradas!" Sra. Kumar  costumava suspirar  toda noite, quando ela estava dirigindo do trabalho para casa. Um dia a Sra. Kumar lembrou o ditado: A paz começa em sua própria porta. Ela decidiu não pressionar em cruzamentos mais. Mas quando ela parou antes de um cruzamento porque o tráfego atrás dela estava parando para deixar os carros que vinha da passagem lateral passar, os motoristas atrás dela comecaram a buzinar e até mesmo a mostrar os  punhos para ela. Porque, claro, se ela fizesse pressao para chegar ate  interseção, quando era possível  fazer isso, poderia se passar muito tempo até que o tráfego vindo de lado lhe daria a chance de atravessar. Mas para ela  pior do que os outros motoristas ficarem  furiosos com ela foi o seguinte: uma vez ela nao usando qualquer possibilidade de  vantagem no transito   ela chegaria em casa cerca de meia hora mais tarde que o habitual. Isso a deixava  triste porque sua família estava esperando por ela para que cozinhasse o jantar e as crianças a necessitavam  para que as ajudassem  com a lição da escola.  Realmente as tarefas da casa eram tantos que a Sra. Kumar sentia que não podia se dar ao luxo de perder essa meia hora. Ela sentia que era seu dever com a   família para que chegasse em  casao mais rápido possivel. Então, depois de alguns dias, ela simplesmente desistiu e voltou a dirigir como todo mundodirigia.
O que a Sra. Kumar não sabia era o seguinte: Duas semanas antes, a Sra. Miller teve apenas a mesma ideia . Ela também começou a parar de interseções para abrir caminho para os carros que vinham da direita e da esquerda. Ela também viu motoristas mostrando os  punhos  para ela e ela também perdeu meia hora que ela sentiu que deveria se dedicar a sua própria família. E assim a Sra. Miller tambem desistiu , assim como a Sra. Kumar. E quatro semanas antes a Sra. Szymanski passou tambem pela  mesma experiência. E ela também havia desistido.
Uma tarde de sábado a Sra. Kumar levou seus filhos ao parque de brinquedo . Ela sentou-se em um dos bancos e os viu  brincando  na gangorra e nos pegadores. Por acaso a Sra. Miller e a Sra. Szymanski vieram a sentar-se no mesmo banco e as tres senhoras começaram a conversar sobre o tempo, as crianças, o custo de vida e a situação impossivel do transito da cidade.
"É guerra nas nossas estradas!" suspirou a Sra. Kumar.
"Esta cidade é um hospício!" disse a Sra. Miller.
"As pessoas são tão egoísta!" exclamou a Sra. Szymanski.
Neste momento a Sra. Fukuda, que estava sentado num banco próximo, inclinou-se e disse: "Desculpe-me por interferir, mas eu penso  que a paz começa em sua própria porta . Eu decidi que de agora em diante eu não vou dirigir em mais em  cruzamentos.. Eu acho que alguém tem apenas que começar a fazer a coisa  sensata ".
Assim, as três outras senhoras,comecaram ao mesmo tempo a contar para a Sra. Fukuda  sobre suas experiências.
"É sem esperancas!" suspirou a Sra. Kumar.
"É uma tragédia!" gritou a Sra. Miller.
"Não há nada que pode ser feito!" exclamou a Sra. Szymanski.
"Mas nós temos um dever para com nossos semelhantes!" disse a Sra. Fukuda. "Nós não podemos ser tão egoístas!"
"Sim. Mas também temos um dever para com nossas famílias", disse a Sra. Kumar. "Não é o egoísmo que me faz dirigir o mais  rápido que eu posso. É o desejo de estar com minha família! Eu sei que deveria dirigir um pouco mais devagar  para que  outros possam chegar em casa mais cedo. Mas,  e a minha própria família? Seria injusto para com eles. "
"É trágico", disse a Sra. Miller. "Ao dirigir de forma sensata, perdemos meia hora todos os dias. Mas se todo mundo iria conduzir de forma sensata, todo mundo estaria em casa meia hora mais cedo todos os dias!"
"É  uma tragédia!" disse a Sra. Szymanski. "Ser altruísta e sensato não ajuda. E até mesmo deixa a sua  família triste e os motoristas atrás de você ficam como loucos.  Algo está errado com: " A paz começa em sua própria porta"
"Eu acho", disse a Sra. Fukuda, "que deveriamos  começar uma campanha! Vejam só, todas vocês tiveram a mesma idéia, mas não ao mesmo tempo. Por isso voces nao tiveram sucesso . Mas se nós quatro  começarmos a dirigir  com sensatez  amanhã ... "
"Entao  haverá apenas quatro de nós em uma cidade de milhões!" disse a Sra. Kumar.
"Bem, então vamos falar com nossos maridos. Se eles concordarem com a gente, nós já seremos oito. E se falamos com os nossos vizinhos ..."
"Temos de escrever cartas para os jornais!" disse a Sra. Miller.
"E fazer folders  para distribuir!" disse a Sra. Szymanski.
"E fazer adesivos: Eu parar  no  cruzamento assim você podechegar  em casa mais cedo!"
"Não, deve  dizer: para que  todos nós possamos chegar  em casa mais cedo!"
"E devemos ir aos  talk shows nas TVs!"
Assim, as quatro senhoras trocaram números de telefone e começaram  a campanha. Seus filhos e até mesmo  seus maridos as  ajudaram a rascunhar os folders  , a  fazer desenhos e escrever cartas para os jornais , O filho mais velho da Sra. Kumar criou uma animação em computador em que  mostra como o congestionamento se estende por toda a cidade.  Enviaram e-mails para todos os seus amigos e conhecidos e logo eles descobriram que muitas pessoas tiveram pensamentos semelhantes sobre a guerra nas estradas, mas todos em diferentes épocas e lugares diferentes e todos haviam desistido de novo. E as pessoas começaram a reconhecer um ao  outro nas estradas através dos  adesivos nos  carros e seus quandoeles  viam  muitos carros carregando os adesivos , já nao temiam  que iriam   gritou no interesection quando elas parassem para deixar os outros passar.  Entao,   em uma parte da cidade as  pessoas perceberam que  - ops, eles realmente chegavam em casa mais rápido agora, embora todos  estivessem  dirigindo mais devagar. Quando a notícia se espalhou, logo o humor  geral na cidade mudou e agora.  as pessoas usam suas buzinas e mostravam  os punhos contra as pessoas que bloqueavam  a intersecção. Mas os mais sensíveis iam distribuir os folders.
"Bem", disse a Sra. Kumar, "A paz começa em sua própria porta, mas ela também precisa de algum tipo de coordenação!"
Enquanto isso, nas eleições municipais vizinhos para o conselho da cidade estavam sendo realizadas. Um dos candidatos prometeu resolver o problema do tráfego e ele foi eleito. O novo prefeito dobrou os impostos, empregou um monte de policiais e teve câmeras instaladas em cada cruzamento. E todo aquele  que bloqueava  um cruzamento tinha  que pagar uma multa no valor de um mês de salário aquele que nao pagasse  iria para a prisão. Isso também resolveu o problema do tráfego. E muito rápido!

A Bomba

Sara Bernal Rutter

Na cafeteria as pessoas estavam falando sobre o que fazer em caso de uma guerra nuclear.  O senhor Balaban disse, "se eles jogarem a bomba, voce deve tomar um banho, enrole o seu corpo em um tecido branco e caminhe devagar ate o cemitério!"
"Por que devagar?"
"Assim voce nao causará panico", disse o senhor Balaban.

Foreword

 

Ever since I started writing books for children, I have considered it important to deal with the difficult subject of war and peace in a way that children can understand. It seems to me that it is not enough to tell children that war is terrible and that peace is much nicer. Although even that is a step forward, of course, considering there was once a youth literature that glorified the military and combat action. But most children in our latitudes know that war is something terrible and peace is much nicer. But is peace possible? Or is war an unavoidable destiny that keeps befalling humankind? Doesn’t our history class, as well as the evening news, teach us that war has always existed everywhere in the world and is still with us? A culture of peace, understanding of others, peaceful resolution of conflicts – all of that is well and good: but what if the others do not want to go along?

I cannot imagine how we can banish war from the life of humankind, if we do not search for the causes of war. Only when the cause of a disease is discovered, can a focused and effective method be found to fight it.

It is true that I just skipped all my history classes at university, but at home I have continued my studies of history for myself to this day because, as a writer, the question of what determines people’s actions and thoughts is naturally always on my mind. But of course I cannot claim to have found the philosopher’s stone or that in my stories I could absolutely explain the causes of war. And I also cannot present a complete recipe for the avoidance of future wars. But I want the stories to do more than just give people "food for thought." Writers are always trying to give people something to think about, but at some point, someone is going to have to start thinking. The stories I have collected here are intended to suggest a direction in which a person can continue to think; they are intended to convey a feeling for where and how to search for the causes of war.

Maybe the intentions of the book can best be summed up like this: I try to show  how our actions can be interconnected in such a way, that the ones who do not try their best to further their own interests must perish. But that on the other hand by each of us trying to further our own interests we may in fact unintentionally increase the loss or make worse the damage for all of us. And that we cannot escape this dilemma unless we communicate with each other and coordinate our actions. This moral is simple enough, but the hard thing is to really see through the complex ways in which the actions of individuals, groups, nations, states on this planet are interconnected.

I am trying to teach children to begin to recognize that sort of social mechanism, and I think that this is a novel approach in children's literature.

Quando Chegam os soldados, mostra de forma condensada, o qual já pode ser entendida por crianças muito pequenas, que conquista e exploração são a essência da guerra, não a diferença de opinião, raça, cultura ou interesses conflitantes. Argumenta que uma sociedade igualitária não tem necessidade de conquista, enquanto uma sociedade hierárquica não pode existir sem conquista. O tema é expandido no Relatório ao Conselho do Sistema Solar Unido.

A Guerra Estranha apresenta uma forma passiva de resistencia.  O  tipo de resistencia  possivel depende, é claro, dos objetivos dos agressores. Se a intencao dos agressores é a de exterminar a outra nacao, esta forma de resistencia nao poderá ser possivel. Porem, a maioria das guerras sao travadas para subjugar as pessoas, nao para extermina-las.

Em sua propria porta foi originalmente inspirada na situacao de trafico em Beirute. Mas é claro que o transito nas estradas serviu como um exemplo para os emaranhados da sociedade. Se voce pesquisar as palavras " a Paz comeca" em qualquer servico  de busca na   internet, voce ficara surpreso com o numero de paginas que ira encontrar na forma de "Paz comeca em sua propria porta". Paz comeca com  sua alma e assim por diante. Mas, qual é o próximo passo?
O filósofo Sir Karl Popper preveniu sobre as mudancas revolucionárias. Ele advogou sobre a fragmentacao da engenharia social, pequenas mudancas que, aos poucos, vai levar a uma sociedade melhor. Ele argumentou que as experiências sociais em uma escala menor não poderiam causar tantos danos e poderiam mais facilmente serem revertidas se elas não foram bem sucedidas. Há muito a se falar sobre o que  ele disse, mas na minha opinião ele parece nao ter reparado :   os sistemas sociais tendem a se estabelecer em um equilibiro relativamente estável. Se você colocar uma pequena bola no fundo de uma tigela redonda e empurrá-la um pouco, ela vai se mover um pouco  em direcao a borda da bacia e rolar para trás. Se você empurrá-lo um pouco mais  forte, irá entao   subir um pouco mais alto em direcao a borda  e depois rolar para trás novamente. Voce irá precisar de um pouco mais de forca para empurra-la ao longo da borda da tigela. Qualquer forca menor nao irá fazer a menor diferenca.
Tome como exemplo o conselho de uma cidade que gostaria de melhorar uma "área ruim" da mesma. As ruas de lá  tem o lixo espalhado e o conselho, decide entao colocar mais lixeiras.  Sem sucesso pois quase ninguem as usa. 
Por que isso?
Na "área boa" , se voce jogar uma casca de banana na calcada e uma pessoa que  o observa fazendo isso irá se aproximar de voce e pedirá para que use a lixeira ou, ele mesmo irá  pegar a casca da banana e coloca-la na lixeira. Numa área bonita  , uma casca de banana na calcada faz uma grande diferenca. Ainda, todos que vivem numa área agradável, desejam que essa área permaneca agradável.
Numa "área ruim" da cidade uma casca de banana numa calcada nao irá fazer qualquer diferenca.Ainda, se a casca de banana for colocada numa lixeira ainda assim, nao irá fazer a menor diferenca.
Entao, para que se aborrecer? Se voce deseja que as pessoas usem as lixeiras ,   voce primeiro  deverá remover o lixo das ruas, assim colocar a casca da banana na lixeira irá fazer uma grande diferenca. Provavelmente voce tambem devera educar as pessoas uma vez que eles estao acostumados a jogarem os seus lixos nas ruas. eles precisarao chegar a uma especie de concordancia no sentido de que a limpeza das ruas é algo de bom para a saude deles .Ou ainda, em razao da "area ruim" ser provavelmente a área pobre da cidade - eles podem certamente ter maiores problemas em suas maos do que o proprio lixo.
Entao, mesmo que voce queira adotar uma visao fragmentada  para se aproximar de mudancas sociais voce deverá encontrar 
o mínimo de esforço necessário para superar o equilíbrio estável de uma determinada situação.
A má notícia é que as situações onde as pessoas trabalham juntas para um bem comum são geralmente menos estáveis do que situações em que todo mundo defende para si mesmos. Um relaxado descuidado não vai perturbar o equilíbrio da rua "bonita". Mas, se, digamos, 10% ou 20% dos habitantes se descuidam e joguem seus lixos na rua, o resto da população em breve poderá desistir e se descuidar também. Por outro lado, se 10% ou 20% dos habitantes da rua suja começarem a usar as lixeiras que ainda não vai ter um impacto visível e não será capaz de transformá-lo em uma rua limpa, se eles nao tentarem não tente de forma pro ativa convencer os seus vizinhos .

Eu escrevi Justiça para um congresso de livros para criancas , em Israel em 2001. Justiça é um conceito ambíguo , geralmente mal interpretado.
Qual é a justa distribuicão de mercadorias? Dar para todos o que ele ou ela merecem? Ou dar para todos o suficiente para que tenham uma vida decente? Como voce decidira o que alguem merece? Quem decide? E se alguem comete um crime, qual é a punicao justa? O "Olho por olho" ? Deveria um assassino ser assassinado? Podera um estuprador ser estuprado? E a respeito  de matanca coletiva? Voce podera apenas matar uma pessoa uma unica vez.
Para os assassinos de meus avos, que foram mortos no Holocausto, nunca poderá haver uma punicao "justa". E para o meu pai, que sobreviveu, nunca podera existir uma compensacao justa. Meu pai nunca buscou justica ou vinganca. O seu objetivo na vida foi o de entender o que aconteceu. como pode ter acontecido e como prevenir que algo similar aconteca no futuro.

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